Setembrando
Lembro dos dias de independências tão dependentes.
Tempo de outras eras.
Era dos tempos de escola primária, entre as décadas de 60 e 70.
Era do tempo de dias de desfiles, de uniformes, de inconformes.
Eram anos de chumbo, da ditadura militar, das ditaduras todas encobertas por uma nuvem de repressão, tabus e preconceitos. Isso se refletia e influenciava em tudo, no nosso cotidiano, na nossa família, em todos os lugares.
Sentia, nesses tempos sombrios, uma estranha alegria ingênua por conta das delícias genuínas da infância que se fundiam com um peso do que eu desconhecia. Talvez fosse o sabor do mistério, das portas e bocas fechadas.
Mas onde mais sentia os reflexos desse tempo, sem consciência nenhuma do que se passava por conta da minha inocência, foi nas vivências e experiências na escola.
Dentre as muitas memórias escolares lembro que o uso do uniforme era obrigatório. Além disso, tinha que ser impecável, conforme as exigências e a rigidez vindas de um colégio de freiras com posturas de disciplina muito parecidas com a dureza do regime militar, vigente naquele período.
Eram classificados em três tipos:
O Diário, o de Gala e o de Educação Física.
Cada um tinha suas características, diferenciando-se em cores, modelos e acessórios. Nesse cenário também atuavam os calçados, compondo os figurinos, muitas vezes atuando como protagonistas.
Para o uniforme diário usávamos um sapato preto, de solado grosso e resistente, chamado Vulcabrás Colegial. Uma de suas características mais marcantes era sua resistência, semelhante às resistências daquela época.
O mesmo também compunha o uniforme de Gala, porém, com uma aparência mais destacada por conta do brilho extra da graxa, conforme as exigências das freiras e das ocasiões solenes em que seu uso fosse necessário.
Dessas indumentárias lembranças destaco um calçado muito original, pela simplicidade do seu design, com sua eficiência em deficiências e com um nome bastante estranho: o "Conga".
Ele compunha o uniforme de educação física, soprando ares esportivos ao traje.
Esse tipo jurássico de tênis era um protótipo modesto, uma espécie de primo pobre do cobiçado All Star, importado e caríssimo naquela época.
Nos 7 de setembros era comum ver ou participar das comemorações dessa data. Tínhamos a missão de desfilar pelas ruas principais da cidade, marchando o dever cívico obrigatório.
Nesse dia nos apresentávamos com a elegância impecável dos nossos uniformes de gala ou de educação física, onde o Conga branco protagonizava.
À ele também estava reservado um dia de glória.
Um feriado justo aos seus intensos dias rotineiros vividos entre corridas e saltos nos pés incansáveis de criança. A sua independência surgia ao desfilar todo o mérito do desgaste da sua cor, branca de outrora.
Para esse momento havia uma exigência de que o Conga estivesse bem branquinho, brilhando como era no tempo do seu tecido de lona nova.
No entanto, para esse intento, duas alternativas se apresentavam: para aqueles que podiam, comprar um novo era a solução.
Para outros, como no meu caso, era necessário que ele durasse até o final de suas atividades do ano letivo.
Mas o humilde Conga escondia um segredo, caprichos que não cabiam numa aparência caprichosa: não podia ser lavado pois encolhia.
Por conta disso surgia uma alternativa com uma originalidade criativa e bizarra:
Passar giz branco, de lousa, nele.
A solução era conveniente e o resultado, de certa forma, muito respeitável.
Isso tornava esse dia mais pitoresco, único.
Ainda hoje, escuto os sons coloridos dos desfiles, entre Congas e fanfarras, o cheiro do patriotismo inocente, dos dias alegres vestidos de símbolos, repletos de simbolismos.
Entre os verdes e amarelos de setembros dourados passeiam histórias de infância de céus azuis onde o lábaro estrelado era sempre tão amado e mais gentil.
Como era engraçado e feliz quando a gente desfilava marchando e o giz ia soltando...
– Esquerdo, pó de giz, direito, pó de giz, esquerdo, direito, esquerdo, pó de giz...
Assim era o compasso da marcha forte do passo esquerdo, marcando o lado direito desse passado a limpo, lavado e encolhido.
Lembro dos dias de independências tão dependentes.
Tempo de outras eras.
Era dos tempos de escola primária, entre as décadas de 60 e 70.
Era do tempo de dias de desfiles, de uniformes, de inconformes.
Eram anos de chumbo, da ditadura militar, das ditaduras todas encobertas por uma nuvem de repressão, tabus e preconceitos. Isso se refletia e influenciava em tudo, no nosso cotidiano, na nossa família, em todos os lugares.
Sentia, nesses tempos sombrios, uma estranha alegria ingênua por conta das delícias genuínas da infância que se fundiam com um peso do que eu desconhecia. Talvez fosse o sabor do mistério, das portas e bocas fechadas.
Mas onde mais sentia os reflexos desse tempo, sem consciência nenhuma do que se passava por conta da minha inocência, foi nas vivências e experiências na escola.
Dentre as muitas memórias escolares lembro que o uso do uniforme era obrigatório. Além disso, tinha que ser impecável, conforme as exigências e a rigidez vindas de um colégio de freiras com posturas de disciplina muito parecidas com a dureza do regime militar, vigente naquele período.
Eram classificados em três tipos:
O Diário, o de Gala e o de Educação Física.
Cada um tinha suas características, diferenciando-se em cores, modelos e acessórios. Nesse cenário também atuavam os calçados, compondo os figurinos, muitas vezes atuando como protagonistas.
Para o uniforme diário usávamos um sapato preto, de solado grosso e resistente, chamado Vulcabrás Colegial. Uma de suas características mais marcantes era sua resistência, semelhante às resistências daquela época.
O mesmo também compunha o uniforme de Gala, porém, com uma aparência mais destacada por conta do brilho extra da graxa, conforme as exigências das freiras e das ocasiões solenes em que seu uso fosse necessário.
Dessas indumentárias lembranças destaco um calçado muito original, pela simplicidade do seu design, com sua eficiência em deficiências e com um nome bastante estranho: o "Conga".
Ele compunha o uniforme de educação física, soprando ares esportivos ao traje.
Esse tipo jurássico de tênis era um protótipo modesto, uma espécie de primo pobre do cobiçado All Star, importado e caríssimo naquela época.
Nos 7 de setembros era comum ver ou participar das comemorações dessa data. Tínhamos a missão de desfilar pelas ruas principais da cidade, marchando o dever cívico obrigatório.
Nesse dia nos apresentávamos com a elegância impecável dos nossos uniformes de gala ou de educação física, onde o Conga branco protagonizava.
À ele também estava reservado um dia de glória.
Um feriado justo aos seus intensos dias rotineiros vividos entre corridas e saltos nos pés incansáveis de criança. A sua independência surgia ao desfilar todo o mérito do desgaste da sua cor, branca de outrora.
Para esse momento havia uma exigência de que o Conga estivesse bem branquinho, brilhando como era no tempo do seu tecido de lona nova.
No entanto, para esse intento, duas alternativas se apresentavam: para aqueles que podiam, comprar um novo era a solução.
Para outros, como no meu caso, era necessário que ele durasse até o final de suas atividades do ano letivo.
Mas o humilde Conga escondia um segredo, caprichos que não cabiam numa aparência caprichosa: não podia ser lavado pois encolhia.
Por conta disso surgia uma alternativa com uma originalidade criativa e bizarra:
Passar giz branco, de lousa, nele.
A solução era conveniente e o resultado, de certa forma, muito respeitável.
Isso tornava esse dia mais pitoresco, único.
Ainda hoje, escuto os sons coloridos dos desfiles, entre Congas e fanfarras, o cheiro do patriotismo inocente, dos dias alegres vestidos de símbolos, repletos de simbolismos.
Entre os verdes e amarelos de setembros dourados passeiam histórias de infância de céus azuis onde o lábaro estrelado era sempre tão amado e mais gentil.
Como era engraçado e feliz quando a gente desfilava marchando e o giz ia soltando...
– Esquerdo, pó de giz, direito, pó de giz, esquerdo, direito, esquerdo, pó de giz...
Assim era o compasso da marcha forte do passo esquerdo, marcando o lado direito desse passado a limpo, lavado e encolhido.
Assim se desenhava na rua o patriotismo, feito da marcha de um 7 de setembro virando pó, na poeira de um velho Conga, que sempre ficou novo nas minhas lembranças.
Belíssimo texto!
ResponderExcluirTempos que não voltam mais,embora permaneçam vivos e coloridos de verde,amarelo ,azul e branco em nossas memórias e corações!
Obrigada pelo seu olhar
Excluirespecial nas memórias coloridas.
Que gracinha esse texto!! Eu me senti naquela época, calçando o conga branco para a educação física ou o para o Desfile de Sete de setembro. Ah que saudades! Volta tempo! Nunca pensei que um dia um conga branco fosse causar tantas recordações, um simples tenis que de conforto não tinha nada, mas era único e todos usavam, e marcou época de dias bons outros nem tanto, mas passou...e a lembrança ficou!!!
ResponderExcluirMe lembro bem e não gostava de conga 🤭lindo texto e boas lembranças desse tempo
ResponderExcluirQue sensibilidade vc tem de captar os detalhes da história 🤗Amei🇧🇷
ResponderExcluirVoltei no tempo, marchando nos paralelepípedos da praça da matriz. Adorei ler e relembrar.
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